Muitas consultas foram feitas ao escritório sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Sendo assim, compartilhamos este brilhante texto confeccionado pela FGV, em seu curso de pós-graduação de Direito Societário, escrito pelos Doutores Márcio Souza Guimarães e Juan Vazques:
Teorias para a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica
As teorias elaboradas para a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica são as seguintes:
* Teoria menor
Dispensa raciocínio mais acurado para a incidência do instituto, bastando que a diferenciação patrimonial da sociedade e do sócio afigure como obstáculo à satisfação de credores. É pautada no binômio risco/proveito.
A sua aplicação fica restrita à relação de consumo, de trabalho e em caso de danos ambientais.
Todas as vezes em que a pessoa jurídica não tiver bens suficientes no seu patrimônio para a satisfação do crédito – ou até mesmo em razão da sua iliquidez –, os sócios serão responsabilizados.
* Teoria maior
Fundamenta-se em maior apuro e precisão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, baseando-se em requisitos sólidos identificadores de abuso da personalidade jurídica.
É regra a consideração da personalidade jurídica, prevalecendo, sobretudo, a diferenciação patrimonial da sociedade e dos seus
sócios, tendo sede, apenas excepcionalmente, o mecanismo pelo qual se ignora o véu societário, diante de situações específicas.
Formas de efetivação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Há diferentes formas de efetivação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, senão vejamos:
* Desconsideração direta
Nesse caso, a fraude é aferida, havendo a intenção preliminar de se brigar pela desconsideração para alcance daquele que, efetivamente, praticou o ato lesivo. Existem situações em que a utilização do anteparo protetor é flagrante, como no caso do aluguel de um imóvel em nome da sociedade para ser utilizado como residência de um dos sócios.
* Desconsideração incidental
Nesse caso, a fraude, por conta da sua estrutura, apresenta-se mascarada, portanto, é de difícil percepção inicial. É provável que somente com a propositura da demanda em face da sociedade, no desenrolar do curso processual, tenha-se acesso ao “concilium fraudis”, momento em que se buscará pela desconsideração da personalidade para a retirada do escudo protetor, alcançando aquele que, efetivamente, é o autor do ato.
* Desconsideração inversa
Neste caso, existe a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para o alcance de bens da própria sociedade, em decorrência, contudo, de atos praticados pelos seus sócios. Atualmente, essa forma de efetivação está prevista no § 2º do art. 133 do CPC.
* Desconsideração indireta
Nesse caso, a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar quem está por trás dela não se afigura suficiente, pois haverá outra ou outras integrantes das constelações societárias que também têm por objetivo encobrir um fraudador.
É sempre importante recordarmos que o novo CPC (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) tratou da desconsideração da personalidade jurídica incorporando algumas sugestões doutrinárias importantes, como é o estabelecimento do prévio contraditório para a aplicação desse instituto, conforme prevê o seu art. 135, transcrito a seguir: “Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.
Com o objetivo de evitar a banalização do instituto, o Enunciado nº 9 da I Jornada de Direito Comercial também trata desse assunto. Vejamos: “ENUNCIADO Nº 9. Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT”.
A figura jurídica conhecida como investidor-anjo foi integrada à Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, conforme arts. 61-A a 61-D, buscando incentivar o investimento em atividades empresariais inovadoras que sejam exploradas por microempresas ou empresas de pequeno porte.
De acordo com os referidos dispositivos legais, o investidor-anjo vai aportar capital ao negócio, mediante assinatura de um contrato de participação, mas esse valor não vai integrar o capital social. O investidor-anjo não será sócio e não terá qualquer responsabilidade pelas dívidas
da sociedade.
No que se refere à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, o inc. II do § 4° do art. 61-A da Lei Complementar nº 123/06 estabelece que não será aplicável o art. 50 do CC/02.
Essa questão tem sido, no entanto, objeto de controvérsia por conta da referência expressa ao dispositivo do Código Civil que trata da Teoria Maior da Desconsideração. Dessa forma, há quem defenda a possibilidade de serem aplicadas as hipóteses que contemplam a Teoria Menor da Desconsideração e outros casos da Teoria Maior que estão dispostos em outras normas legais, como é o caso da Lei de Concorrência Desleal.
Nesse caso, entendemos que o legislador quis enfatizar a impossibilidade de aplicar a Teoria da Desconsideração para alcançar o investidor-anjo. No entanto, a ideia de fazer referência expressa ao art. 50 do CC/02 acabou por permitir a interpretação de que todas as hipóteses de desconsideração poderão ser utilizadas, salvo aquela prevista no art. 50 do CC/02.” (sic).